Mídia impressa em franca decadência: O Jornalismo, os peixes e os cartões telefônicos
(Por Márcio Fernandes) Houve um tempo não muito distante no qual muita gente acreditava que jornal impresso somente servia para embrulhar peixe em feira. Quando eu era criança, no começo dos anos 80, descobri que dava para embalar qualquer tipo de carne, como faziam os antigos açougues. Muitos anos transcorreram, ocorreu uma explosão de títulos no Brasil, a sociedade se tornou cada vez mais visual (algo que as revistas, em geral, já notaram, e os diários, não), veio a fase de distribuir CDs, DVDs e etc etc como acessórios dos matutinos e assim por diante.
Agora, com a franca decadência da mídia impressa global e, em especial no território verde-amarelo, acabo de descobrir mais uma utilidade para os jornais: ser brinde de cartão telefônico. Explico melhor: dia desses, em uma próspera cidade do Oeste paranaense, ao entrar em uma banca e comprar a revista Veja, a atendente ponderou:
- Senhor, levando a Veja, o senhor tem direito ao jornal tal! Vai querer?
Aceitei, claro, pois afinal se tratava de um dos três diários locais. Em seguida, lembrei que precisava recarregar créditos em meu celular. Pedi um cartão de R$ 10. A moça, sorridente, lascou:
- Senhor, levando um cartão de R$ 10, o senhor tem direito ao jornal tal! Vai querer?
De novo, disse sim. E, notem, ela estava oferecendo o matutino cujo slogan é "o jornal mais lido do Estado". Como se diz popularmente, é o fim do mundo.
Mais do que um simples episódio pitoresco ocorrido em um canto do País, a cena reflete o momento de fraqueza dos jornais nacionais. As explicações para tanto desprestígio são várias mas cabe destacar duas: os diários continuam acreditando que são veículos informadores do noticiário factual à população geral, ou seja, continuam a veicular manchetes garrafais com temas do dia anterior como se ninguém soubesse de cor e salteado (outro ditado popularesco) o que está ali estampado.
A esmagadora maioria dos jornais dominicais trouxe a manchete lugar comum Morre João Paulo II ou algo assim, como se até as pedras não soubessem que o papa havia tido falecimento às 16h37 (horário de Brasília) daquele sábado. A esses jornais recomendaria a leitura de um interessante estudo capitaneado pelo designer cubano Mario Garcia denominado Diário de 2020, onde especialistas em Comunicação sustentam que à mídia impressa factual caberá o papel de análise dos fatos e não do mero contar resumido desses mesmos fatos, tal qual ocorre hoje. Por estes momentos, a TV, a Internet e até os celulares já cumprem esse papel.
O segundo tópico que vale retratar diz respeito ao layout dos diários. Cada vez mais visual, mais colorida, mais imagética, mais etc etc, a sociedade não está nem aí para os jornais que permanecem com desenhos vencidos. A recente reforma gráfica d´O Estado de São Paulo, o Estadão, pouco inovou, ainda que a direção da empresa tenha feito um Carnaval do novo design, com direito a anúncios em larga escala na mesma Veja, por exemplo.
Peça a um adolescente para ler um jornal diário e ele mandará você fazer sabe-se lá o que e onde. Quando muito, ele vai aparecer com a revista da Jovem Pan e ou da MTV na mão, multicoloridas que são. Talvez seja a hora de patrões e editores despertarem de vez e em massa sobre a necessidade de entender os comportamentos sociais de seus leitores, cada vez mais infiéis. No final dos anos 80, Peter Drucker (um ícone global da Administração) preconizou que os desejos da sociedade estavam ficando cada vez mais flutuantes, isto é, estavam se alternando com uma velocidade nunca vista.
Quase 20 anos após o exercício de futurologia de Drucker, nota-se que acertou na mosca. Enquanto não houver um estudo mais detalhado sobre isso, restará aos jornais mendigar em escala maior a cada instante as verbas públicas e a venda de anúncios por ninharias. Ou continuar a culpar a recessão econômica do País. Ou, melhor, escancarando de vez, se tornar brinde de cartão telefônico.
Márcio Fernandes es profesor en la Universidad deParaná, de Paraná, Brasil.